Divulgação científica, O Direito Achado na Rede, Observações

O Direito Achado na Rede: uma nova esperança nos espaços entre as ruas e as redes

Em tempos de pandemia e isolamento social, qual pode ser a contribuição d’O Direito Achado na Rede?

Daniel Augusto Vila-Nova
Paulo Rená da Silva Santarém

Desde a seminal concepção teórica, em 2008, a noção jurídica e política de “O Direito Achado na Rede” (ODARede) evoca uma quimera. De um lado, filhote de O Direito Achado na Rua (ODAR), valoriza a abertura ao pluralismo de sentidos que circulam publicamente para além do Estado; e, de outro, olhando para a Internet como quem enxerga um espectro ou um pôr do sol duplo, o reconhecimento da emergência de um novo espaço público plural, convergente, concomitante e alternativo.

Assim como a geometria euclidiana não lidou bem com fractais; a institucionalidade analógica  perde a capacidade de tematizar as dimensões de liberdade, de igualdade e de fraternidade diante da cultura digital. As crescentes vias tecnológicas reconfiguram o espaço democrático de ação cívica. As lutas interpretativas de construção de direito se ampliam para novas gramáticas sociais e novos jogos de linguagem.

Se não se trata de olhar apenas para a “rede mundial de computadores”, tampouco se pode olhar apenas para os lugares “físicos”: a atual perspectiva deve conjugar ruas e redes. O termo rede, evidentemente, (tanto quanto a rua de ODAR) é um representação do espaço público no qual atos simbólicos (apoio, disputa, protesto, questionamento, solidarização) podem converter multidões de internautas individuais (urbanos e rurais) em povo. Esse conceito de “nós”, na união da rede,  reivindica a Internet como hipervia da cidadania, a fim de alcançar uma nova forma de preservação dos interesses humanos.

Em junho 2013 as manifestações de rua no Brasil foram organizadas tendo como ponto de encontro (hub) o Facebook. No Brasil, em quase sincronia com a chamada Primavera Árabe e o movimento Occupy Wall Street, o Movimento Passe Livre galvanizou momento a partir do bom uso de meios digitais de comunicação. Amplificaram a mensagem já existente, renovada contra o aumento abusivo das passagens de transporte público (não eram apenas vinte centavos), e divulgaram práticas de resistência desafiadoras ao entendimento dos ortodoxos veículos de  comunicação. As mobilizações viralizaram das redes para as ruas e, de volta, das ruas para as redes, para denunciar os abusos das autoridades na repressão aos protestos.

Passados 7 anos, (muitos rolezinhos e pedras pelo caminho depois,) resgatem-se os aprendizados: houve oportunidades achadas e  perdidas nos novos espaços cívicos. Seja nas ruas, seja nas redes, sempre há uma solução simples e equivocada disponível diante da realidade hipercomplexa e hiperconectada. Os riscos de captura corporativa e desvios autoritários seguem desafios urgentes a demandar a emancipação e a autonomia crítica, individual e coletiva.

Na pulsação dialética entre ruas (sístole) e redes (diástole), ODARede parte da intuição pragmática de que a compreensão dos significados desse “admirável mundo novo” exige reflexões políticas e jurídicas qualificadas pela síntese. Em 4 maio de 2020, o cenário mundial da pandemia de COVID-19 reflete a pertinência da glocalidade, em que o pontual reflete inteiro o âmbito total. Assim, cabe pensar globalmente e agir localmente, seja no Brasil, na sua cidade, no seu bairro ou na sua morada (quem tem filho em casa sabe das pequenas batalhas domésticas grandiosas que constroem o “padecer no paraíso” a cada dia!).

Nas redes, o exercício republicano da cidadania, organizado em novas bases legítimas de sociabilidade, exige neutralidade de rede, assim como as ruas (na condição de espaço) não podem discriminar entre o ir e vir de quem defende (ou ataca) a liberdade. Logo, não há garantia de satisfação de qualquer interesse, justo ou injusto, diante da eterna tensão tectônica (nos de Giácomo Marramao) quanto a meios, tecnologias e conteúdos circulantes. O que se pode esperar das incontáveis aplicações da Internet, em tempos de isolamento presencial, é apenas que ela desperte a experimentação de novas potencialidades  humanas.

Sem jamais perder tempo em temer a morte, segue preciso ter atenção e força. Nesse episódio da saga, em meio à pandemia de COVID-19, tal qual um jedi ancião que retira seu capuz (não exatamente para revelar seu passado, mas para escrever uma nova história de esperança), ODAR chama para a guerra contra o lado sombrio e oferece a arma de combate. Hoje, novamente, “o reconhecimento do que é jurídico deve decorrer de uma referência à dinâmica da sociedade, e não se prender à bitola da legislação quando esta se encontrar distante do padrão de liberdade em que as pessoas convivem sem lesar aos demais“. Agora, ODARede conclama a observar os ideais sociais fixados na Constituição Federal mediante uma inovadora e “promissora a abertura de portas virtuais para um participação popular democrática real“.

Os corpos de velhos, crianças e adultos precisam ficar em casa. Mas as oportunidades de comunicação têm essa força tecnológica (quase mística) que permite romper as barreiras da ação presencial e desbravar fronteiras. Para o desejo de navegar a Infomaré (Gilberto Gil, aquele abraço), ODARede constitui uma nau virtual, ou uma jangada digital (salve Eliane Costa) jurídica e política. A aventura entre promessas constituintes de cidadania (viva Ulisses Guimarães) e o canto da sereia cibernética, é preciso realizar a travessia das ruas para as redes e as ruas; e das redes para as ruas e as redes. Quem sabe, cheguemos a uma trilogia para as margens das redes.

Internautas do Mundo, comunicai-vos! Vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões.

Neste 4 de Maio de um histórico 2020, que a força esteja sempre com vocês e em todos nós!

 

5 comentários em “O Direito Achado na Rede: uma nova esperança nos espaços entre as ruas e as redes”

  1. Excelente texto.
    A rede internada e interconectada é a nova trincheira posta à esfera pública da “multidão”, utilizando aqui a concepção de Michael Hardt e de Toni Negri.
    Esse novo espaço do velho “mundo da vida” (Jürgen Habermas) tem trazido certas inquietudes de ordens sociais lato senso (políticas, econômicas e jurídicas) que ainda pendem de mínima orientação no sentido da estabilização das expectativas normativas. Não bastasse, o “inesperado” (Edgar Morin), também chamado de Covid-19, trouxe mais complexidade à nossa sociedade hipercomplexa, basta ver atual o direito que se acha na rua e o que brota aos montes da rede, como bem ressaltado pelos autores. Respostas complexas, pois, são necessárias.
    O texto de Daniel e Paulo, com maestria, leveza e poesia, demonstrou bem o nó górdio prontamente custoso mas de inexorável enfrentamento.
    Parabéns aos autores.

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